A emergência do clima e a volatilidade do mercado de commodities demanda adaptações em toda a cadeia produtiva do agronegócio, inclusive onde tudo começa, nas propriedades rurais. Diante desse cenário, as principais soluções para os desafios atuais do campo estão relacionadas à profissionalização, à modernização e à adoção de práticas mais sustentáveis.
Essas estratégias se tratam de investimentos para o futuro. No entanto, para que isso ocorra, é preciso que os produtores visualizem caminhos viáveis de continuidade para seus negócios, o que depende de novas gerações dispostas a assumir as atividades. Enquanto a perspectiva de sucessores estimula o investimento, a falta de descendentes dispostos a levar a propriedade rural em frente causa o efeito contrário, provocando a estagnação.
Ao mesmo tempo, quando os jovens permanecem e assumem as propriedades, eles provocam mudanças positivas. Pesquisas indicam que os jovens estão mais preocupados com o meio ambiente e têm maior tendência de investimento em inovações tecnológicas e práticas de produção mais eficientes, levando a aumentos de produtividade e, consequentemente, de rentabilidade. As novas gerações também estão diretamente relacionadas à maior diversificação da produção.
Por isso, a sucessão rural está na base do processo de desenvolvimento sustentável do agronegócio, enquanto o envelhecimento da população rural dificulta esse processo. “Num cenário mais amplo, é desejável que os jovens permaneçam no campo para termos um agronegócio mais sustentável e tecnológico, com mais inovação e desenvolvimento”, explica a pesquisadora Raquel Breitenbach, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão.
“É desejável que os jovens permaneçam no campo para termos um agronegócio mais sustentável e tecnológico, com mais inovação e desenvolvimento.”
Raquel Breitenbach, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Sertão
Desafios
Apesar da importância da sucessão rural, esse processo é repleto de desafios, tanto no âmbito familiar quanto em termos sociais e culturais. No cenário geral, outros ramos de negócios ligados às áreas urbanas podem se mostrar mais atrativos, a exemplo das frustrações de safra recentes no Rio Grande do Sul, decorrentes de estiagens. Nesse sentido, o próprio desânimo dos pais em relação às incertezas da atividade rural também desestimula os jovens a seguirem no campo.
Além disso, muitas vezes os mais velhos têm dificuldade em abrir mão do controle da propriedade e começar a inserir os jovens. “O idoso rural tem uma lógica de vida em que ele acredita que, para ser respeitado enquanto agricultor, ele precisa trabalhar e gerenciar a propriedade até o fim da vida, porque assim eles serão considerados bons produtores”, explica Raquel.
Essa crença cultural faz com que os pais demorem para dar autonomia aos possíveis sucessores. Além disso, muitos jovens atuam nas propriedades das famílias por anos sem receber uma remuneração fixa. Todos esses fatores desestimulam a permanência das novas gerações no campo e provocam a migração para centros urbanos.
Consequências
Nas últimas décadas, a população rural brasileira reduziu significativamente. Mesmo com uma tendência mais recente de retorno de jovens para o campo e de valorização do agronegócio, ainda há um cenário geral de esvaziamento da juventude no campo e, como consequência, de envelhecimento da população rural.
No Censo Demográfico de 2022, promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população rural no Brasil chegou ao menor patamar da série histórica, com 25,6 milhões de pessoas, o equivalente a 12,6% da população total. Em relação ao Censo anterior, de 2010, houve aumento de 16,6 milhões de pessoas morando em áreas urbanas e queda de 4,3 milhões vivendo em áreas rurais. Em 1940, o quadro era inverso, 28,2 milhões de pessoas viviam na zona rural, 80,4% do total de cerca de 41,2 milhões de habitantes da época.

A saída dos jovens do campo tem grandes impactos sociais. A redução do número de famílias nas áreas rurais leva ao esquecimento de tradições e conhecimentos específicos dessas localidades, além de reduzir as interações sociais nas comunidades do interior, resultando em expressivas perdas culturais para essas populações. Além disso, quando as propriedades são vendidas, aumenta a concentração de terras e de renda, diminuindo também a diversificação agrícola. Por fim, a migração para os centros urbanos não garante melhores condições financeiras e de vida, além de aumentar a concentração populacional nessas áreas.
O caso do leite
A produção de leite sofre ainda mais com o abandono da atividade. Em 2015, o Rio Grande do Sul registrava cerca de 84,2 mil estabelecimentos produtores de leite. Esse número caiu 65,6% em dez anos, chegando a cerca de 29 mil, de acordo com a 6ª edição do Relatório Socioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite no RS, divulgado pela Emater/RS-Ascar. A pesquisa também apontou as principais dificuldades do setor: baixo preço recebido pelo leite; falta ou deficiência de mão de obra; custo de produção elevado; e falta de descendentes/desinteresse na atividade.

De forma geral, as próprias características inerentes da atividade desestimulam a permanência dos jovens. A produção de leite exige pelo menos duas ordenhas diárias, cuidado permanente com os animais e esforço físico constante. “Esse contexto faz com que a atividade não seja tão atrativa para o jovem. Ainda assim, a gente tenta trabalhar a importância da produção de leite para a renda das famílias. Por exemplo, nesses últimos anos de frustração, o leite foi o carro-chefe de muitas propriedades já que a soja teve safras perdidas ou com menor rentabilidade”, destaca Raquel Breitenbach.
A Agropecuária Saudade, em Não-Me-Toque/RS, e a propriedade da família Leuchtenberger, em Colorado/RS, passaram por essa experiência e puderam contar com a renda do leite para se manter nos últimos anos. Além disso, nas duas propriedades, a atividade já foi assumida por uma nova geração.
“A gente até estava pensando em parar de tirar leite, mas faz três anos que não colhemos bem, então vamos continuar até que as coisas melhorem”, explica Dilvo Antônio Hasler, de 74 anos, que passou a atividade para a filha, Caroline Hasler Dillenburg, de 35 anos, que complementa: “o leite é o nosso ganha pão de todo mês, é o nosso sustento”.
Em Colorado, a família Leuchtenberger já começa a se preparar para a entrada de uma nova geração na produção de leite. Desde que Ricardo Leuchtenberger, 45 anos, e a esposa, Ana Artmann, 48 anos, voltaram da Europa e decidiram levar a atividade em frente, o processo de produção se transformou. Eles aumentaram o número de vacas, adquiriram conjuntos para ordenha mecanizada e investiram para tornar a produção menos penosa para a família. Os filhos Willian Franciel e Wellington Ariel Leuchtenberger, de 19 e 17 anos respectivamente, acompanharam todo esse processo e, aos poucos, começaram a participar da ordenha e se inserir cada vez mais na atividade.

A família Leuchtenberger prepara o processo de sucessão para uma nova geração | Foto: Bruna Scheifler | Divulgação Cotrijal
Agora ambos manifestam o desejo de seguir na propriedade e desenvolver a produção de leite. “Eu não me vejo fazendo outra coisa a não ser trabalhar com as vacas”, diz o mais velho. Ele já está à frente dos processos de reprodução dos animais e busca de melhorias para o rebanho, com objetivos bem definidos: “melhorar a sala e colocar mais conjuntos de ordenha. Como as vacas sofrem bastante no verão por causa do calor, a gente também pensa em investir para que elas tenham conforto”. Os planos são acompanhados pelo irmão, que também almeja aumentar o número de animais.

Willian Leuchtenberger, filho mais velho, mantém contato direto com o veterinário Diego Xavier | Foto: Bruna Scheifler | Divulgação Cotrijal
Para os pais, esse interesse também é uma motivação. “A gente sempre pensou em tocar a atividade, e, se os filhos se interessassem, modernizar um pouco para eles terem mais mais qualidade de vida”, explica Ricardo. Atualmente, a família produz cerca de 34 litros/vaca/dia, com cinquenta animais, índice que vem crescendo nos últimos anos a partir dos investimentos em reprodução.
“Eu fico faceiro com o interesse deles em seguir na propriedade, é um orgulho para mim”
– Ricardo Leuchtenberger, produtor associado da Cotrijal
Mulheres
Os desafios da sucessão rural são ainda maiores para as mulheres, que ainda enfrentam barreiras de gênero, principalmente nos núcleos familiares. Em pesquisas, elas indicam receber menos incentivos dos pais para serem sucessoras, além de ter menor autonomia para o gerenciamento das propriedades e execução das atividades.
“Temos muitas jovens que querem ser sucessoras, mas elas não encontram um ambiente apropriado dentro da unidade de produção familiar para isso. Os pais não incentivam porque ainda têm aquela ideia de que o sucessor precisa ser um homem”, aponta a professora Raquel. Ela acredita, inclusive, que esse é o maior desafio atual para a sucessão rural: “as oportunidades que são dadas para os homens, não são dadas para as filhas mulheres”, ressalta.
Na família de Dilvo Antônio Hasler, com três filhas mulheres, a sucessão de uma delas não era um caminho óbvio, mas foi necessária para a continuidade da propriedade rural. Apesar de gostar das atividades do campo, a própria Caroline não pensava nessa possibilidade. Ela ainda trabalhou na cidade antes de considerar assumir as atividades da propriedade. Depois dessa experiência, do casamento e dos pais ficarem sozinhos para tocar a Agropecuária, “as coisas foram se encaminhando”, como ela mesma diz, para que a sucessão acontecesse.

Além do leite, a Agropecuária Saudade também produz trigo, soja e milho | Foto: Divulgação Cotrijal
Nesse processo, iniciativas desenvolvidas pelas cooperativas de incentivo à sucessão rural foram decisivas para a família. “A Cotrijal sempre tem palestras, capacitações e cursos, isso tudo foi abrindo a minha mente para ficar e trabalhar a sucessão. A cooperativa teve um papel muito importante, é o nosso suporte e o nosso apoio todo dia para tudo que a gente precisa”, relata a produtora rural.
A Agropecuária Saudade conta com 51 hectares e 21 vacas. Porém, a família ainda vê espaço para crescimento, sempre visando oferecer melhores condições para as novas gerações. “Nós sempre pensamos em ampliar. No leite, ainda temos uma margem para aumentar a produção, mas também queremos expandir a lavoura para ter mais renda e dar uma vida boa para as meninas”, conta Caroline, que tem duas filhas, de 2 e 11 anos.

O cooperativismo foi decisivo para a sucessão rural na família Hasler Dillenburg | Foto: Divulgação Cotrijal
“Um dos pilares do cooperativismo é oferecer suporte ao produtor rural, para que ele possa produzir com dignidade e evitar a migração para a cidade, o que geraria um alto custo social. Então o grande desafio da Cotrijal é criar mecanismos, oportunidades e condições para que o produtor permaneça no campo”, destaca o presidente da Cotrijal, Nei César Manica.
Cooperativismo no cerne da sucessão
Enquanto cooperativa, a Cotrijal tem como principal propósito a geração de valor aos associados. Desta forma, está comprometida em oferecer condições para que as famílias possam seguir no campo, produzindo e gerando desenvolvimento para toda a comunidade regional.
Nesse sentido, a cooperativa desenvolve uma série de programas voltados à capacitação de jovens e mulheres para a sucessão e gestão rural. Em 2025, também ocorreu a primeira rodada de atividades do Programa Brotinho, voltado à educação cooperativista para crianças. “Para termos uma cooperativa forte, nós precisamos de pessoas. Por isso, cada vez mais, nós estimulamos a participação das famílias na cooperativa, mostrando a importância desse sistema e incentivando a sucessão rural”, explica o vice-presidente da Cotrijal, Enio Schroeder.
Brotinho
O Programa Brotinho foi lançado em agosto de 2025. Voltado para crianças, filhos e netos de associados, ele tem o objetivo de promover valores cooperativistas e fortalecer o sentimento de pertencimento à cooperativa. Desta forma, a iniciativa caracteriza um investimento na formação de futuros cooperados e líderes.


Supernova
Desde 2021, a Cotrijal promove o Supernova, programa de desenvolvimento dos jovens rurais para a sucessão familiar. A formação consiste em uma série de palestras, workshops e visitas técnicas que abordam a gestão rural, empreendedorismo e cooperativismo. Mais de 450 jovens já participaram iniciativa, que é promovida em parceria com a Escola Superior do Cooperativismo.
Mais Elas
O Programa Mais Elas visa capacitar e valorizar as mulheres do campo para a gestão rural e atuação. Encontros e reuniões estimulam a participação e liderança feminina no agronegócio.

O trabalho das cooperativas de incentivo à sucessão rural está entre os principais fatores que influenciam positivamente a permanência dos jovens no campo. “As pesquisas têm mostrado que, onde as cooperativas promovem o processo sucessório, há uma melhora considerável. […] Muitas vezes, interagindo com outros jovens, tendo acesso a outras experiências e conhecendo diferentes propriedades rurais, os sucessores agregam conhecimentos que podem levar para dentro da sua unidade de produção. Então as cooperativas são centrais nesse processo”, ressalta Raquel Breitenbach.
Estratégias para a sucessão rural
Apesar da influência de cooperativas e demais organizações, a sucessão rural depende principalmente do núcleo familiar. Para que os jovens sigam nas propriedades rurais, eles precisam receber apoio das famílias e condições para assumir os negócios.
O diálogo entre pais e filhos sobre os objetivos para o futuro é o primeiro passo nesse processo. “O padrão das famílias na agricultura é não dialogar, muito menos sobre a sucessão. Esse é um padrão que precisa ser quebrado, mesmo que essa atitude tenha que partir dos filhos, que são as novas gerações e que já entendem a importância do diálogo e do planejamento”, analisa a professora.
Os jovens que trabalham nas propriedades rurais também precisam receber remuneração justa, além de educação e capacitação para a gestão. Aos poucos, eles também necessitam de autonomia para tomar decisões e gerir as atividades. Ao mesmo tempo, considerando aspectos culturais das gerações anteriores – que têm maior dificuldade em se afastar do trabalho – os filhos devem manter os antecessores envolvidos nas decisões e atividades da propriedade.
“No momento em que os jovens começam a ter autonomia sobre a propriedade, eles não devem deixar os pais de lado. Os mais velhos devem permanecer inseridos para que se sintam ativos na atividade. Então esse diálogo exige sabedoria por parte dos jovens para compreender essas questões culturais ligadas aos idosos”, explica Raquel.
Na Agropecuária Saudade, todas as decisões de Caroline e do marido, Denison A. Dillenburg, de 44 anos, passa pelo crivo dos pais dela, que opinam e tocam a atividade junto com eles. “Nós estamos aprendendo, a gente não sabe de tudo e não fazemos nada sem falar com o pai e a mãe, sempre temos o auxílio deles”, explica Caroline.
“Nós estamos aprendendo, a gente não sabe de tudo e não fazemos nada sem falar com o pai e a mãe, sempre temos o auxílio deles.”
Caroline Hasler Dillenburg, produtora associada da Cotrijal
Além disso, a transmissão do patrimônio também deve ser planejada com antecedência pela família. Em caso de famílias maiores, disputas pela herança podem dificultar os processos sucessórios e até mesmo descapitalizar os sucessores. Caso a família tenha dificuldade para realizar o planejamento financeiro e jurídico para a sucessão, também é possível recorrer a consultorias externas para organizar o processo.
De toda forma, a sucessão rural é um processo com desafios próprios para cada indivíduo e núcleo familiar. Por isso, a cooperativa está ao lado dos associados, fornecendo serviços, capacitações e apoio para que as famílias possam seguir produzindo e trabalhando para o desenvolvimento do agronegócio.