Sustentabilidade, inclusão, empreendedorismo, força coletiva e inovação. Tudo isso vem se consolidando ao longo dos últimos anos como as principais tendências da sociedade atual. Porém, enquanto alguns modelos de negócio precisam se adequar a esses novos comportamentos, o movimento cooperativo conta com o diferencial de ter todas essas características na sua essência, desde a sua origem na criação da primeira cooperativa, 1844, na Inglaterra – formada para enfrentar os desafios causados pela Revolução Industrial.
O que se almeja é um futuro com crescimento sustentável e o cooperativismo agrega esse propósito desde a sua formação, com princípios que valorizam, por exemplo, a gestão democrática, a participação, a educação e o interesse pela comunidade. O trabalho realizado pelas cooperativas e seus impactos na sociedade ganharam ainda mais evidência neste ano de 2025, que foi declarado como o Ano Internacional das Cooperativas pela Organização das Nações Unidas (ONU). A força do movimento é o destaque da entrevista concedida pela superintendente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Tania Zanella, à revista Valor Cooperado. Confira!
O que o Ano Internacional das Cooperativas representa mundialmente? Qual a importância dessa valorização dada pela Organização das Nações Unidas?
Tania Zanella: O reconhecimento das cooperativas pela ONU com a declaração de 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas é um marco histórico para o nosso movimento. Isso demonstra que o modelo cooperativista, baseado em valores como solidariedade, democracia, equidade e participação, está cada vez mais alinhado às necessidades da sociedade global. Em um mundo que busca soluções sustentáveis e humanas para os seus desafios sociais e econômicos, as cooperativas oferecem um caminho viável e já testado.
Essa valorização vinda da ONU ajuda a dar visibilidade ao impacto real que o cooperativismo tem na vida das pessoas, nas comunidades e nos territórios. É um convite para que governos, empresas e a sociedade civil reconheçam o cooperativismo como uma força transformadora e uma ferramenta poderosa para enfrentar crises econômicas, desigualdades e questões ambientais. E, mais do que tudo, é uma forma de homenagear cada cooperado e cooperada que, com seu trabalho diário, constrói esse movimento tão necessário para o mundo.
A sociedade atual está valorizando cada vez mais práticas sustentáveis, inclusão, diversidade, consumo consciente, empreendedorismo e colaboração. Como você vê o modelo cooperativista inserido neste contexto?
Zanella: O cooperativismo já nasceu com esses princípios. Sustentabilidade, inclusão, responsabilidade social e participação coletiva são parte do nosso DNA desde o início do movimento, lá em Rochdale, na Inglaterra, em 1844. Hoje, esses valores estão cada vez mais presentes nas agendas das empresas e nas expectativas da sociedade. E o cooperativismo não só dialoga com esses temas, como os coloca em prática no dia a dia, com resultados concretos.
Temos cooperativas que promovem a inclusão de mulheres, jovens, povos tradicionais, comunidades indígenas, que trabalham com agricultura regenerativa, energia limpa, economia circular, crédito responsável, entre tantos outros exemplos. As pessoas estão buscando sentido no que consomem, onde investem e como trabalham — e o cooperativismo responde a tudo isso com um modelo de negócios centrado nas pessoas e comprometido com o bem comum.
Não é exagero dizer que, neste novo cenário global, o cooperativismo deixou de ser apenas uma alternativa — ele se tornou uma referência de futuro.
Na sua opinião, quais são os principais desafios do cooperativismo atualmente? Como enfrentá-los?
Zanella: Vivemos um momento muito positivo para o cooperativismo, mas os desafios também são grandes. Um deles é ampliar a compreensão da sociedade sobre o que realmente é uma cooperativa. Ainda há muita confusão entre cooperativa e outras formas de organização. Por isso, precisamos investir em comunicação, mostrar nossos diferenciais e fortalecer a marca cooperativista.
Outro ponto crucial é a inovação. O mundo está mudando rápido, e precisamos acompanhar essa transformação com tecnologias, novos modelos de gestão, maior conexão com as novas gerações e com os anseios da sociedade atual. Isso vale tanto para as cooperativas quanto para o Sistema OCB, que as representa.
Além disso, precisamos fomentar ainda mais a intercooperação, ou seja, a colaboração entre cooperativas de diferentes ramos e regiões. Juntas, elas podem se fortalecer, gerar mais negócios, compartilhar soluções e ampliar o impacto do cooperativismo.
Para enfrentar esses desafios, é essencial termos uma atuação estratégica, com foco em educação, inovação, governança, juventude e fortalecimento institucional. E nisso, o Sistema OCB está totalmente comprometido.
Poderia nos falar mais sobre o trabalho desenvolvido pela OCB junto às cooperativas e poder público? Como a entidade atua fortalecendo o movimento?
Zanella: O Sistema OCB é a casa do cooperativismo brasileiro. Nosso papel é representar, defender e promover as cooperativas em todos os níveis — local, estadual, nacional e internacional. Junto ao poder público, trabalhamos para construir um ambiente legal e regulatório favorável, com leis que respeitem as especificidades do nosso modelo. Isso é feito por meio de uma atuação forte no Congresso Nacional, nos ministérios e nos espaços de formulação de políticas públicas.
Também atuamos com inteligência estratégica, oferecendo dados, estudos, assessorias e suporte técnico para que as cooperativas possam tomar decisões mais informadas e planejar seu futuro. No campo da formação, temos a plataforma CapacitaCoop, que oferece cursos gratuitos e de qualidade, pensados para os diferentes públicos das cooperativas — dirigentes, conselheiros, colaboradores e cooperados.
E temos ações de comunicação e mobilização, como o movimento SomosCoop, que ajuda a posicionar o cooperativismo perante a sociedade. Trabalhamos também com inovação, ESG, juventude, sustentabilidade, digitalização e com programas voltados à intercooperação
e ao desenvolvimento regional. Nosso foco é dar suporte para que as cooperativas cresçam com autonomia, força e propósito.
Sua atuação também é destaque no agronegócio brasileiro, como você vê o papel e a importância das cooperativas agropecuárias?
Zanella: As cooperativas agropecuárias são a espinha dorsal do nosso agro. Elas organizam a produção, agregam valor, garantem acesso a insumos, crédito, tecnologia, armazenagem, logística e mercados. Mas, mais do que isso, elas garantem dignidade ao produtor rural, especialmente ao pequeno e médio.
Nosso agro é reconhecido mundialmente pela sua produtividade, inovação e sustentabilidade. E grande parte desse sucesso passa pelas mãos das cooperativas. Elas investem na profissionalização da gestão, na
qualificação técnica dos cooperados, na geração de empregos e no desenvolvimento local.
Vejo nas cooperativas agropecuárias uma força capaz de enfrentar os grandes desafios do campo — desde a adaptação às mudanças climáticas até a valorização dos alimentos produzidos no Brasil. São exemplos de que é possível crescer com responsabilidade, respeitando o meio ambiente e cuidando das pessoas. E mais: são verdadeiras escolas de democracia e cooperação, onde os produtores participam das decisões, compartilham conquistas e constroem o futuro juntos.
Gostaria de deixar uma mensagem final para os leitores?
Zanella: Gostaria de agradecer e parabenizar todos os cooperados da Cotrijal, que têm feito um trabalho exemplar na promoção do cooperativismo agropecuário. São vocês que fazem a diferença todos os dias, com dedicação, confiança e espírito cooperativo.
O Ano Internacional das Cooperativas é o momento ideal para mostrar ao Brasil e ao mundo tudo o que construímos juntos. Vamos aproveitar essa oportunidade para unir ainda mais nossas forças, ampliar nossa voz e mostrar que o cooperativismo é, sim, o modelo do futuro — um futuro mais justo, sustentável e colaborativo. Sigamos juntos, com coragem, inovação e cooperação. O que nos une, nos fortalece.

Quando e como começou a sua paixão
pelo cooperativismo?
Zanella: Minha paixão pelo cooperativismo começou ainda criança, uma vez que minha família já fazia parte de uma cooperativa e me propiciou meus primeiros contatos com os princípios e a história do movimento. Mas foi ao ingressar no Sistema OCB que essa paixão se transformou em missão. Ver de perto o impacto que uma cooperativa tem na vida das pessoas — seja no campo, na cidade, na educação, no crédito ou na saúde — é algo que sempre me emociona e inspira.
Aprendi que o cooperativismo não é apenas um modelo de negócios, é uma forma de enxergar o mundo. Uma forma que valoriza o coletivo, a dignidade humana, a participação e a solidariedade. Desde então, venho dedicando minha trajetória profissional a fortalecer esse movimento, com muito orgulho e responsabilidade.
Cooperativismo no Brasil
- Mais de 4,3 mil cooperativas registradas junto ao Sistema OCB
- Presentes em mais de 3,5 mil municípios
- Mais de 25,8 milhões de pessoas associadas a cooperativas (11,55% dapopulação brasileira)
- Mais de 570 mil empregos gerados
- R$ 1,39 trilhão em ativos
Fonte: Anuário Brasileiro do Cooperativismo de 2025
Cooperativismo no mundo
- 3 milhões de cooperativas no mundo
- 1 bilhão de cooperados (o que representa 12% da humanidade)
- 280 milhões de empregos gerados
- US$ 2,17 trilhões em faturamento combinado das 300 maiorescooperativas no mundo
- Se as 300 maiores cooperativas fossem um país, elas seriam a 8ª maior economia do mundo
Fonte: Aliança Cooperativa Internacional