A produção das lavouras de inverno já foi o ponto principal no ano agrícola do estado, tanto que a demanda de armazenamento e comercialização do trigo foi um fator que gerou a criação de diferentes cooperativas agrícolas no Rio Grande do Sul, como a Cotrijal. Aspectos relacionados à produção e ao próprio mercado fizeram com que o cultivo de soja ganhasse muita força, principalmente a partir dos anos 2000.
Mesmo assim, a chamada safra de inverno segue tendo grande relevância nas propriedades, tanto em aspectos econômicos, quanto produtivos: trata-se de uma oportunidade de renda extra para os produtores rurais e é extremamente importante no contexto do sistema produtivo, em termos de rotação de culturas e cobertura do solo, por exemplo.
“Temos custos fixos dentro da propriedade durante todo o ano e cultivando o nosso solo, ou não, estes custos estarão presentes. Nesta questão econômica, o cultivo de cereais de inverno comerciais é extremamente importante, pois se consegue ter mais uma oportunidade de agregar renda para o negócio da propriedade além da safra de verão”, reforça o agrônomo e gerente de Produção Vegetal da Cotrijal, Alexandre Doneda.
Ele explica que por conta do risco, principalmente relacionado ao clima, a orientação é de que os produtores invistam pelo menos 30% da área com a implementação de culturas comerciais de inverno (como trigo, cevada e canola). No restante, a indicação é fazer o uso de plantas de cobertura de solo, de preferência os mix de culturas. “Quando fizemos os consórcios de diferentes espécies, o resultado é melhor, tanto com relação à ciclagem de nutrientes, quanto produção de palhada. Características físicas, químicas e biológicas do solo são melhoradas e tudo isso, assim como ocorre para as culturas comerciais, é muito positivo para as próximas culturas de verão (soja e milho)”, explica.
Alguns produtores rurais optam por não semear culturas comerciais de inverno, apostando apenas em culturas de cobertura, muitas vezes por receio de correr riscos. Porém, é importante que estes riscos sejam mitigados, por exemplo, através de contratação de seguros, que são oferecidos pela própria cooperativa ou por instituições financeiras, sempre que possível.
Fique atento aos custos envolvidos

Vale ressaltar que ao optar por não fazer o cultivo de inverno, mesmo assim existirão investimentos a serem realizados buscando preparar o solo para a próxima cultura de verão. Segundo Doneda, esse custo equivale a no mínimo 10 sacas de trigo por hectare, ou seja, trata-se de um investimento que precisará ser feito de qualquer forma. “No nosso ponto de vista, esse valor precisa ser tirado do custo de produção do trigo e atrelado à cultura de verão, no caso a soja, que vai vir em sucessão.
Assim, olhamos para um custo de produção mais realista na cultura do trigo. É importante levar isso em consideração na hora de definir pela semeadura das culturas comerciais de inverno”, afirma.
A orientação é que os produtores rurais conversem com os seus técnicos nas unidades da Cotrijal para, em conjunto, definir qual a melhor proporção de culturas comerciais em relação a plantas de cobertura, as melhores cultivares, a melhor cultura comercial de inverno, sempre buscando os melhores resultados no seu sistema de produção.
Mas o recado é claro: não é assertivo ficar sem produzir as culturas comerciais de inverno. E para produzir com segurança, o planejamento é essencial: “é necessário fazer dentro de um equilíbrio saudável, tanto técnico, quanto econômico, dentro da propriedade. Além disso, é importante olhar o sistema de produção como um
todo e não somente neste inverno ou no próximo verão. Precisamos cada vez mais planejar as nossas propriedades e as nossas atividades. Não olhar somente para o curto prazo, mas sim pensando para os próximos cinco ou mais anos”, complementa o gerente.

Quando há frustrações no cultivo de verão, como a que ocorreu neste ano, a tendência é de crescimento no cultivo comercial de inverno. Porém, há ressalvas para esta safra, por conta das dificuldades financeiras dos produtores, reflexo de quebras recorrentes de safras de verão nos últimos anos. Segundo o Departamento Técnico da Cotrijal, a tendência para este inverno é de que os produtores utilizem um índice tecnológico mais racional.
Impactos no sistema produtivo
Do ponto de vista técnico, o cultivo de inverno é extremamente importante. Ele contribui para a cobertura e conservação do solo, ajudando a prevenir a erosão e promovendo a ciclagem de nutrientes. Após a colheita, a palhada que permanece também exerce um papel protetor, em preparação para a semeadura das culturas de verão.
Além disso, a adubação feita nas culturas de inverno contribui para a nutrição do solo durante esse período, aumentando sua fertilidade também para as culturas que virão em sucessão. Toda a parte de formação de matéria orgânica de estruturação de solo é melhorado quando há o cultivo comercial de inverno, sendo que esses benefícios se aplicam a diversas culturas, como trigo, cevada, canola, aveia, triticale, entre outras. Outra questão importante é o manejo de plantas invasoras. Durante a safra de inverno, é possível realizar um controle mais eficiente dessas espécies, o que facilita o manejo nas culturas de verão.

O pesquisador da Rede Técnica Cooperativa (RTC), da Cooperativa Central Gaúcha (CCGL), Tiago Horbe, destaca que “quando trabalhamos com trigo no sistema de produção, ou qualquer outra cultura comercial no inverno, estamos mantendo as atividades na propriedade e nos talhões. No quesito de solo, estamos manejando plantas daninhas para implementar uma nova cultura e fazendo a adubação, o que é muito importante, pois a soja também vai ganhar com isso. E como ponto fundamental vamos conservar o nosso solo, cobrindo ele com uma cultura que é importante no ponto de vista de conservação e que, além de todos esses benefícios, também vai gerar renda”.
O que é ciclagem de nutrientes?
É o processo contínuo de transferência de nutrientes (como nitrogênio, fósforo e potássio) entre o solo e as plantas e vice-versa.
Desafios climáticos
Os principais desafios climáticos enfrentados na safra de inverno estão relacionados às chuvas e geadas. No caso das chuvas, a falta delas é mais prejudicial nos estágios iniciais da cultura. Para a fase de enchimento de grãos, a necessidade de água é menor se comparada com soja e milho. Por isso, o impacto de uma estiagem, por exemplo, não é tão intenso nas culturas de inverno.
Aliás, anos mais secos favorecem o desenvolvimento e o potencial produtivo dessas culturas, principalmente porque há redução na ocorrência de doenças, como manchas foliares e bacterioses, que são importantes responsáveis pela queda de produtividade. Além disso, a incidência da giberela — doença que compromete o enchimento de grãos, principalmente no trigo — também tende a ser menor em condições de baixa umidade. Já o excesso de chuva causa prejuízos pois favorece o surgimento dessas doenças e, nas fases finais, causa deterioração dos grãos e consequente perda de valor comercial, comprometendo o desempenho da lavoura.
Outro risco climático importante é o da geada. Geadas severas a partir do florescimento do trigo podem causar prejuízos significativos, comprometendo até 100% do potencial produtivo da lavoura. Além disso, geadas que ocorrem em estágios iniciais, como o emborrachamento, também já representam motivo de preocupação. É necessário tomar cuidado ainda com as cultivares de ciclo mais curto, evitando o plantio muito cedo, por conta do risco de geadas em fases importantes do desenvolvimento da cultura. A área técnica da Cotrijal busca orientar os produtores, de acordo com o ciclo de cada cultivar que será semeada.
“No nosso inverno temos alguns desafios climáticos, principalmente na primavera, que são as chuvas no momento reprodutivo do trigo e a influência dos fenômenos climáticos El Niño e La Niña. É importante levar em consideração esses fenômenos, pois impactam diretamente na performance produtiva do trigo. Nossas pesquisas apontam que anos de La Niña produzem 40% a mais do que anos de El Niño. Porém, mesmo quando se tem a influência do El Niño, existem estratégias de manejo para mitigar seus impactos. Entender época de semeadura e ciclo de cultivar é fundamental”, explica Horbe. O pesquisador complementa ainda que as projeções climáticas apontam para um padrão de neutralidade, o que traz um certo otimismo, já que o cenário que traria preocupação seria o de El Niño.
Benefícios da cobertura permanente do solo
A ausência de cobertura permanente no solo pode causar a perda de suas propriedades físicas, químicas e biológicas. Sem a palhada, o solo fica mais suscetível à erosão e a falta de raízes em desenvolvimento reduz a atividade biológica, além de comprometer a formação de matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes — já que não há plantas trazendo nutrientes das camadas mais profundas para a superfície, tornando-os disponíveis para as culturas seguintes.
Controle de plantas invasoras
O pousio (área sem cultivo) abre espaço para o crescimento de plantas daninhas. Isso aumenta o custo e a complexidade do manejo antes da implantação da cultura da soja, por exemplo, exigindo mais insumos e investimentos.
Impacto econômico do pousio
Além de não gerar renda, o pousio também não contribui para a produtividade das culturas subsequentes, como uma cobertura vegetal bem manejada faria. Ou seja, não há retorno financeiro
nem agronômico, sendo considerado uma estratégia ineficiente.
Otimismo para a safra

Com previsões que indicam um inverno frio e com menos chuvas, as expectativas da área técnica da Cotrijal para a safra são positivas. “Observamos que algumas previsões trazem que teremos um inverno com pouca chuva e com frio mais intenso que no ano passado. Isso favorece muita as culturas comerciais de inverno, que exigem um volume de chuva menor, especialmente na fase reprodutiva”, reforça o agrônomo e coordenador Técnico da Cotrijal, Alexandre Nowicki, complementando que essas condições são favoráveis para o controle de doenças na lavoura.
Na área de atuação da Cotrijal, o trigo e a cevada vêm sendo as principais culturas comerciais de inverno trabalhadas pelos associados da cooperativa. Além disso, a canola vem ganhando espaço como uma oportunidade de agregar renda para o produtor, que vem implementando a cultura no lugar das plantas de cobertura. A área de atuação da Cotrijal conta com regiões que têm aptidão à cultura, por serem locais com menos propensão a riscos climáticos como a formação de geada.
“A expectativa para a safra de inverno é muito boa. Esperamos que se confirme e faremos o melhor junto com o produtor, desde o planejamento até o estabelecimento, para depois manter este potencial produtivo e alcançar o máximo neste inverno em produtividade e rentabilidade”, reforça Nowicki.
Planejamento é essencial
O profissional destaca a importância do planejamento a ser feito entre produtor e técnico. Entre os exemplos estão a escolha de cultivares que considerem as características da região, época de semeadura, fertilidade do talhão e expectativa de rendimento.
Outro ponto essencial é realizar uma boa correção do solo antes da implantação das culturas. No momento após a retirada da safra de verão, já é possível coletar amostras de solo e aplicar calcário conforme a necessidade. Essa janela permite a realização de manejos que contribuem para a melhoria da fertilidade do solo, garantindo que as culturas que serão implementadas na sequência consigam expressar o máximo de produtividade. Também é o período ideal para o manejo de plantas daninhas, antecedendo a implantação dos cereais de inverno. Segundo Nowicki, “esse manejo de plantas daninhas não terá impacto somente agora, mas tecnicamente positivo ao longo de todo o inverno e inclusive para
as lavouras de verão. Costumamos dizer que o manejo das plantas daninhas que afetariam o milho semeado em setembro, ou a soja em outubro/novembro, começa agora. Com esse controle antecipado, o manejo posterior será facilitado, com menor infestação dessas plantas. Além disso, o uso de pré-emergentes, aplicados nas culturas de inverno, também é uma prática que ajuda a mitigar a pressão das
plantas invasoras”.
Outro ponto importante a ser observado durante a implantação da cultura de inverno é o cuidado com a velocidade de semeadura. É fundamental que o equipamento permita um bom corte da palhada, abertura adequada do sulco, distribuição uniforme de sementes e fertilizantes, e um bom fechamento do sulco. Isso garante uniformidade na emergência e no desenvolvimento inicial da lavoura. Lembrando ainda a necessidade de respeitar a umidade ideal do solo no momento da semeadura.
Além disso, é necessário realizar uma adubação adequada à expectativa de rendimento da cultura. Isso inclui tanto a adubação na base quanto a suplementação com nitrogênio ao longo do ciclo. Durante o desenvolvimento da safra também é importante manter um monitoramento constante junto ao Departamento Técnico.
Após o estabelecimento da cultura, deve-se observar principalmente a presença de pragas na fase inicial. As previsões apontam para um inverno com menor precipitação e temperaturas mais baixas, o que pode favorecer a ocorrência de pragas como percevejos e pulgões neste período. Caso sejam identificadas, deve ser feito o manejo conforme a recomendação técnica. O controle de plantas daninhas também pode ser necessário após a emergência do trigo, mesmo que o manejo inicial tenha sido bem feito. Nesses casos, a aplicação de pós-emergentes será necessária. E, por fim, é essencial monitorar o surgimento de doenças ao longo da safra e, em conjunto com o Departamento Técnico, escolher o fungicida mais adequado para cada situação.
Retorno técnico e econômico

O produtor rural Marcelo Van Riel, de Não-Me-Toque/RS, é um exemplo de associado que aposta nas culturas de inverno. Nesta safra, irá cultivar 120 hectares com trigo e 80 hectares com cevada – que será utilizada para a produção de silagem para alimentação animal. Além disso, está produzindo 130 hectares de plantas de cobertura (aveia), na área que irá receber milho no verão.
Ele conta que, historicamente, sempre trabalhou com 100% da área de inverno cultivada com trigo e cevada. Neste ano, optou por implementar cerca de 70% em culturas comerciais e outros 30% de plantas de cobertura, buscando reestruturar o solo e também antecipar o plantio da soja do próximo ano.

“Vejo a importância do trigo, por mais que seja uma cultura de bastante risco e de lucratividade muitas vezes apertada. Porém, por fazer o manejo e controle de invasoras de folha larga, ter palha de boa qualidade, ter sistema radicular no solo, ter a cobertura com a possibilidade de um retorno financeiro, nós consideramos interessante dentro do sistema como um todo. Se fôssemos avaliar a cultura do trigo de forma isolada, quem sabe o pensamento seria um pouco diferente, mas pensando nele dentro do sistema integrado na propriedade, se torna interessante, da mesma maneira que a cevada”, afirma o produtor.
O associado relata que, assim como neste, no último ano já cultivou cevada para a produção de silagem. Além de liberar áreas para entrar com plantio mais precoce da soja, também possibilita o ajuste da dieta das vacas, bem como, um retorno financeiro no inverno não só vendendo grãos, mas também com a produção de leite.
“Nesta conjuntura, produzir o milho e a soja no verão, apostar em trigo, cevada e plantas de cobertura no inverno, juntamente da produção leiteira, acreditamos que seja mais viável do que apostar em uma única atividade”, finaliza Van Riel.